Retirado do Livro “Os Yogas
Tibetanos do Sonho e do Sono” de Tenzin Wangyal Rinpoche.
CONTROLAR E RESPEITAR OS SONHOS
Algumas escolas de Psicologia no
Ocidente acreditam que é prejudicial controlar os sonhos, que os sonhos são uma
ação reguladora do inconsciente, ou uma forma de comunicação entre partes de
nós mesmos que não deveriam ser perturbadas. Esta visão sugere que o
inconsciente existe e que ele é um depositário de experiências e significados.
Acredita-se que o inconsciente elabora o sonho e insere nele um significado que
será explícito e óbvio, ou latente e carente de interpretação. Neste contexto,
considera-se muitas vezes o eu como sendo composto dos aspectos conscientes e
inconscientes do indivíduo, e o sonho, como um meio de comunicação necessária
entre os dois. O eu consciente pode então se beneficiar da catarse do sonho ou
do equilíbrio de processos psicológicos resultante da atividade de elaboração
do sonho.
Compreender a vacuidade muda
radicalmente nosso entendimento do processo de sonhar. Estas três entidades: o
inconsciente, o significado e o eu consciente – são todas entidades que existem
somente por imputarmos realidade àquilo que por si só não tem nenhuma. É
importante entender o que está sendo dito aqui. A preocupação de que a invasão
do inconsciente por parte da mente consciente seja prejudicial aos processos
naturais faz sentido se assumirmos que os elementos da situação são elementos
distintos do indivíduo, trabalhando em cooperação. Mas esta visão compreende
somente uma dimensão da dinâmica interna do indivíduo, frequentemente em
detrimento de uma identidade mais expansiva.
Como mencionamos anteriormente,
existem dois níveis de trabalho com os sonhos. O primeiro envolve encontrar
significado nele. Isto é bom e esse é o nível da maioria das psicologias do
Ocidente que dão valor aos sonhos. Tanto no Oriente quanto no Ocidente sabe-se
que os sonhos podem ser uma fonte de criatividade, soluções para os problemas,
diagnósticos de doenças e etc. Mas o significado nos sonhos não é inerente a
ele; está sendo projetado sobre o sonho pelo indivíduo que examina o sonho, e
então é “lido” a partir do sonho. O processo é muito semelhante àquele de descrever
as imagens que parecem surgir nos testes de manchas de tinta, usado por alguns
psicólogos. O significado não existe independentemente. O significado não
existe até que alguém comece a procurar por ele. Nosso erro é que, em vez de
ver a realidade da situação, começamos a pensar que realmente existe um
inconsciente, uma coisa, e que o sonho é real, como um rolo de pergaminho com
uma mensagem secreta codificada, que qualquer um seria capaz de ler, tão logo
ela fosse decodificada.
Precisamos de uma compreensão
mais profunda do que se trata o sonho, de qual experiência é, para
verdadeiramente utilizarmos o sonho como uma abordagem para a iluminação. Se
praticarmos profundamente, muitos sonhos maravilhosos surgirão, ricos em sinais
de progresso. Mas, no fundo, o significado do sonho não é importante. É melhor
não considerar o sonho como uma mensagem de outra entidade para você, nem mesmo
que seja de outra parte de você que você não conhece. Não há nenhum significado
convencional fora do dualismo do Samsara. Esta visão não é um render-se ao
caos; não existe nenhum caos, nem tampouco a ausência de significado. Estes são
mais conceitos. Pode soar estranho, mas esta ideia de significado deve ser
abandonada para que a mente possa encontrar a liberação completa. E fazer isso
é propósito inicial da prática do sonho.
Não ignoramos o uso do
significado no sonho. Mas é bom reconhecer que há também sonho no significado.
Por que esperar grandes mensagens de um sonho? Em vez disso penetre no que está
sob o significado, a base pura da experiência. Esta é a mais elevada prática do
sonho – não psicológica, e sim espiritual – interessada no reconhecimento e a
realização do fundamento da experiência, o não-condicionado. Quando evoluir até
este ponto, você não será afetado pelo fato de haver uma mensagem no sonho ou
não. Então, você estará completo, sua experiência estará completa, você estará
livre do condicionamento que surge das interações dualísticas com as projeções
da sua própria mente.
Grande parte da prática do sonho
é realizada quando o praticante está acordado, a fim de influenciar o sonho.
Não se trata de controlar diretamente o sonho. O aspecto de controlar
diretamente o sonho, ocorre durante os sonhos lúcidos. Multiplicar-se num sonho
é um exemplo, assim como transformar-se ou criar entidades oníricas. Os
ensinamentos dizem que fazer isto é muito bom, uma vez que a capacidade de
fazer estas coisas significa que a flexibilidade da mente está sendo
desenvolvida. Além disso, a mesma espécie de flexibilidade e controle deve ser
trazida para a vida no estado acordado; não a fim de voar, e sim para
compreender a natureza construída da experiência e obter a liberdade inerente a
essa compreensão. Ao invés de ser controlado pelos sentimentos, você pode mudar
a si mesmo e a história que conta sobre você, e fazer o que é verdadeiramente
importante, em vez de ficar preso num pesadelo ou num sonho em eterna mudança,
ou até mesmo numa fantasia agradável.
Não é diferente da vida no estado
acordado. Os traços kármicos provocam sonhos, e nossas reações à experiência
criam mais traços kármicos. Durante o sonho, esta dinâmica continua
funcionando. Nós realmente queremos controlar nossos sonhos em vez de sermos
controlados por eles, da mesma maneira que durante o dia é melhor não sermos
controlados pelos pensamentos ou emoções, e sim respondermos às situações
totalmente a partir de nossa consciência.
Queremos influenciar nossos
sonhos. Queremos que eles sejam mais claros e mais integrados com nossa
prática, exatamente como devemos querer estas qualidades para todos os momentos
de nossa vida. Não há nenhum perigo disto desbaratar algo importante. Tudo que
desbaratamos é nossa ignorância.
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